terça-feira, 17 de março de 2015

Capítulo 3 – Começando com o pé direito

Sabe aqueles filmes que retratam a formatura de jovens americanos? Geralmente não rola aquele momento quando alguém importante/inesperado/extremamente bonito chega e a festa para? Foi exatamente assim que me senti.

Uma música eletrônica animava o ambiente e conversas enchiam o ar de alegria quando o Alê apareceu segurando os copos de dose, seguido por mim pendurada no mais novo deus grego do pedaço. Edu, por sua vez, não deixava por menos: um de seus braços estava ao redor da minha cintura enquanto a sua mão livre segurava a minha em um gesto que demonstrava carinho e preocupação.

"Caramba!", era tudo o que se passava pela minha cabeça.

Claro que todos os olhares da festa foram atraídos pela nossa entrada triunfal. Vi uma reação diferente no rosto de cada garota. Naty, Mel e Deby mal conseguiam disfarçar o recalque. Carol me encarava com uma expressão divertida, como se quisesse entender de onde havia brotado aquele rapaz e como eu fui parar naquela situação. Já a Mari arregalou os olhos e fez cara de espanto.

- Pessoal, esse é o meu primo Edu. Ele veio do Rio e ainda está se adaptando à rotina caipira e parada de Guará City - Alê informou. Mal sabia ele que apresentações não eram necessárias... O Edu era o convidado especial da festa naquela noite.

Foi só aí que me dei conta dessa informação! O nosso esbarrão foi tão impactante que mal me dei conta que ele falara que era carioca. Bom, isso explicava a pele queimada de sol e o jeito descolado... Mas como um rato de praia ia se virar em uma cidade como Guararema? Nosso município ficava no interior do estado de São Paulo e era o exemplo da típica cidade pequena: todo mundo conhecia todo mundo, tinha uma praça, uma rua que subia, outra que descia e... só. O único atrativo eram os eventos organizados para atrair turistas, como o Festival de Verão que oferecia apresentações culturais gratuitas. Inclusive, eu fazia parte do elenco do balé que encerraria o festival naquele ano.

- Aláa a Gabi! Já partiu pra cima do garoto! Não perde tempo mesmo, hein? – o Caio não deixou passar a oportunidade de zoar com a minha cara.

- Não é nada disso, seu idiota! – às vezes eu achava o jeito de “sabe tudo” daquele garoto extremamente irritante – Eu torci meu pé. Edu está apenas me ajudando – expliquei me soltando do rapaz e fazendo esforço para me endireitar sem precisar de ajuda.

- Uaauu! Então quer dizer que você é do tipo que salva donzelas indefesas? Perfeito para a nossa bonequinha Gabi – a Carol provocou. Qual era a daquele casal, hein? Estavam armando um complô contra mim?

Com um olhar rápido, percebi que o Edu mexia nos cabelos, tão sem jeito quanto eu.

- Os copos que você me pediu estão com o Alê, Carol – avisei, mesmo sabendo que ela já tinha visto – E o Caio não estava afim de jogar truco? – mudei de assunto, propositalmente.

- Estou só esperando quem serão as minhas próximas vítimas – ele não perdeu a chance de mostrar que era “o tal”.

- Ai, ai... vamos mostrar para ele quem manda aqui, parceira? – Alê perguntou com uma expressão desafiadora no rosto ao mesmo tempo que me oferecia a mão, como se quisesse me conduzir até a mesa de jogo.

- Será um prazer – Ele não fazia ideia do quanto eu realmente queria colocar aquele menino no seu devido lugar.

- Carol, você vem? – Caio gritou chamando a parceira de jogo-barra-ficante.

- Ahhh, não estou afim agora não. Estou aqui conversando com as meninas... – ela dispensou apontando para a rodinha de meninas que havia se formado. Eu tinha quase certeza que o assunto era o garoto novo – E ainda teremos porradinha! – ela pegou os copos da mão do nosso amigo com um sorriso satisfeito nos lábios.

- Posso jogar? – falando em Edu, ele se ofereceu para ser o substituto.

- Pode ser... – o Caio deu de ombros, sem se importar.

- Gente, fico de próxima, ok? Se alguém desistir, eu entro! – Mari pediu. Eu estava achando estranho que ela ainda não estava participando da conversa... Considerando que não tirou o olho do Edu desde que ele chegou, achei que “atacaria” mais rápido.

Alê gritou algo em resposta e caminhamos até a mesa de jogos – que na verdade eram quatro cadeiras de alumínio, no estilo daquelas de bar, com uma bobina de madeira deitada no centro – e me posicionei na frente dele. Caio foi buscar cervejas para nós enquanto Edu embaralhava as cartas.

- Corta e tira a manilha, por favor – o surfista pediu. Revirei os olhos quando percebi que estava fazendo movimentos extravagantes só para se mostrar.

- O cinco manda no jogo – Declarei em tom sério ao virar a carta número quatro. Mantive a minha expressão séria e concentrada, mas percebi pelo canto do olho que o Edu estava muito bravo. O motivo era um truque que eu usara para quebrar o esquema de cartas que ele organizou enquanto embaralhava o baralho. Na minha frente, Alê tentava disfarçar o riso, fingindo não perceber a frustação do primo.

O truco não é um jogo difícil. Tudo o que uma pessoa precisa ter para jogar é um baralho sem os números 8,9,10 (de todos os naipes) e o curinga. A parte complicadinha é decorar quais cartas são as mais fortes. Por exemplo, a três é mais “poderosa” de todas, depois vem o 2, A, K,J,Q,7,6,5 e 4. Porém, ainda há as manilhas, que servem como, digamos, o “elemento surpresa”. Sempre antes de começar o jogo, uma carta é retirada do baralho virada para cima. A carta seguinte será considerada a mais forte e mandará na partida. Como tirei o número 4 ao cortar o baralho, o cinco seria o “manda chuva” da rodada (ou da mão, como se diz no truco).

Para completar essa parte da manilha, ainda há os naipes. O mais “bam bam bam” de todos era o Paus, ou Zap, como é conhecido entre os “truqueiros”. Depois vem o Copas (Escopeta), Espadas (Espadilha) e Ouro (Pica Fumo).

Ok, talvez não seja assim tão simples, mas o fato de cada jogador receber apenas três cartas acaba facilitando um pouco. Fica mais fácil raciocinar sem ter as mãos cheias...

- Certo, hora do show. Pronta, parceira? – Alê perguntou depois que Edu distribuiu as cartas. A expressão do carioca continuava séria.

- Sempre pronta – Concordei enquanto verificava as minhas cartas e chegava à conclusão que aquela era a minha noite de sorte. Além de um três espadilha, estava com um cinco de paus. Provavelmente aquelas eram as cartas que o Edu havia preparado para o parceiro enquanto embaralhava, mas com a minha interferência na hora do corte acabaram parando nas minhas mãos.

Mexi nos cabelos, enrolando os fios e colocando-os no meu ombro direito. Aquele era um gesto que eu e Alê já havíamos combinado. Significava que eu estava com a mão boa e iria pedir truco.

No jogo, uma partida normal vale apenas um ponto. Porém, quando se pede “truco”, ela passa a valer três. Em casos muitos especiais, quando alguém está com muita sorte e sai com a mão perfeita, a aposta pode aumentar para seis e até 12 – pontuação máxima, quando as duplas são trocadas ou o placar é zerado.

- Poxa parceira, a coisa está russa aqui – Alê fez um drama, querendo valorizar a partida. Eu sabia que ele realmente não estava com cartas boas, porque já havia passado a língua pelos lábios – um outro sinal que costumávamos usar.

- É, acho que seu primo nos pegou. Ele deve ter táticas cariocas que ainda não conhecemos – entrei na onda de lamentação só para fazer charme. Afinal, a grande graça do truco não estava no jogo em si, mas sim no blefe e nos “macetes” que aprendíamos para ficarmos com as melhores cartas. Assim como o poker, o truco é um jogo no qual você sabe que o adversário vai trapacear. O seu papel é cumprir essa tarefa melhor do que ele.

- Ué, o que aconteceu com toda a marra de vocês? – Caio provocou, seu ego inflando cada vez mais de tamanho.

- Só porque você tocou no assunto – Edu puxou uma de suas cartas e a apontou para mim – vou começar mostrando todo meu poder carioca – ele completou lançando um três de copas na mesa.

- Uaaauuu! Isso que eu chamo de começar com o pé direito – comentei lançando a minha carta mais fraca: um quatro pica fumo.

 - Vou deixar você fazer essa rodada, parceiro – Caio avisou fazendo a sua jogada.

  - É... serei obrigado a deixar o Edu ganhar essa – o skatista jogou um sete na mesa – Mas não se preocupa, Gabi. É sorte de principiante. Já, já, passa...

  - Sorte de principiante, é? – o loiro questionou pegando as cartas que jogamos e as colocando embaixo do monte – Então segura essa aqui – ele jogou um cinco escopeta na mesa – E eu quero truco! – gritou na sequência, chamando a atenção de todos – E aí, Gabriela? Vai encarar?

Do meu lado, o Caio gritava palavras de incentivo para o parceiro enquanto eu e o Alê esperávamos em silêncio.

- E aí, encara ou não, bonequinha? – ele voltou a provocar depois de bater na mesa em um gesto intimidador.

- Parceiro, o que você acha? – perguntei com a voz calma, tentando demonstrar o mínimo possível as minhas intenções.

- Olha parceira, acho que você deveria mostrar para ele quem é a bonequinha aqui – ele respondeu de forma sarcástica.

- Achei essa uma ótima ideia – sorri de forma irônica olhando feliz da vida para a minha manilha. Aquela rodada estava no papo – Se é para trucar, então vamos fazer isso direito. Eu quero seis!

- Você ouviu o que ela disse? Ela pediu seis, rapaz! SEEEEEEIIIIIIIIS! Segura essa agora, Eduardo – Alê bateu na mesa, provocando os adversários. O resto do pessoal que estava na festa acabou entrando no clima e gritando frases de incentivo para nós.

Fixei meu olhar no do Edu esperando por sua resposta. Eu sabia que ele estava sem saída e aquilo me fez sentir poderosa. Era algo inexplicável, mas aqueles olhos verdes pareciam estar permanentemente me desafiando, me tirando do meu lugar comum. De repente, provar que eu era muito mais do que ele imaginava se transformou no objetivo daquela partida.

- Estou pagando para ver – foi tudo o que ele disse, fazendo cara de quem estava menosprezando a minha carta.

Quando lancei minha manilha sobre a mesa vi o loiro arregalar os olhos e balançar a cabeça enquanto o Alê comemorava fazendo muito barulho.

- Quem é a bonequinha agora? – questionei me sentindo a tal.

Ele não respondeu. Ao invés disso, pegou seu copo de cerveja e deu um longo gole, os olhos cravados em mim.

Dali em diante o jogo pegou fogo. Meu parceiro estava em um dia inspirado e eu, como já havia percebido, com sorte. O resultado disso foi que chegamos à pontuação máxima vencendo mais duas partidas enquanto nossos adversários conseguiram somar apenas quatro pontos com uma vitória e um empate.

- Podem vir os próximos que esses daqui já são fregueses – Alê comemorou, empolgado.

- Hããnnn, parceiro – chamei com a voz baixa – Se importa se eu não jogar a próxima? – discretamente, desviei o olhar para baixo da mesa.

Graças aos céus, ele foi inteligente o suficiente para perceber o que queria dizer. Meu pé estava doendo. Não era nenhuma dor insuportável, mas com a apresentação se aproximando, eu não poderia me dar ao luxo de ficar machucada. Minha mãe jamais me perdoaria por isso.

- Está tudo bem? – ele quis saber.

- Sim, sim... Vai melhorar – tentei parecer otimista.

Por sorte, ninguém reparou no nosso diálogo. A festa estava bombando com som alto e muitas conversas. Pelo que entendi, Natália e Mel queriam aprender a jogar truco e estavam tentando organizar as duplas e os professores para ajudá-las.

Aproveitei o momento de animação para sair de mesa e ir até a cozinha. O cômodo estava escuro, mas a luz que vinha do Gueto fornecia iluminação o suficiente para que eu pudesse enxergar onde estava indo. Como frequentava a casa há muito tempo já sabia onde tudo estava guardado. Por isso não foi difícil pegar o gelo no congelador e enrolá-lo em um pano de prato. Sentei em uma cadeira, tirei o sapato e apliquei a compressa no lugar machucado, rezando para que não fosse nada demais.

- Está inchado? – quase cai da cadeira quando ouvi alguém perguntar.

Virei o rosto na direção da porta e lá estava ele. Os olhos brilhando perigosamente na minha direção.

- Não, só está doendo um pouco. Não é nada demais, mas não quero correr o risco – minimizei o problema. Não queria fazer um drama logo no primeiro encontro.

- Que zica isso! Daqui, deixa eu te ajudar – disse, caminhando em minha direção, puxando uma cadeira e sentando-se na minha frente. Com um gesto firme e decidido, puxou a minha perna e a pousou no seu joelho. Depois passou a examinar o meu tornozelo.

Fiquei parada, com o gelo na mão, assistindo a cena sem ter reação. Ou aquele era realmente o meu dia de sorte, ou lá no Rio as pessoas tinham um jeito muito mais direto de fazer amizades.

- É, não está inchado mesmo – ele concluiu – Onde doi? – ele passou a apertar meu tornozelo em diferentes pontos e por um momento fiquei tão deliciada com seu toque na minha pele que até esqueci da dor.

- Aí, aí... Nesse ponto – avisei quando ele desceu a mão pela lateral do meu pé – Perto desse ossinho.

- Beleza! Tenho certeza que depois dessa massagem passa – o surfista avisou concentrado em sua tarefa.

Fiquei ali, com a perna esticada, com o pé entre as mãos de um garoto que eu acabara de conhecer e, coincidentemente, era a razão do meu pé estar ferrado. Era isso o que as pessoas queriam dizer quando falavam a velha frase “a vida é uma caixinha de surpresas”?

- A boneca perdeu a fala? – Voltei à realidade com o loiro estalando os dedos na minha frente de forma provocativa.

- O que você disse? – fiz cara de brava. A verdade é que não sabia o que deveria sentir: raiva por ele me provocar? Medo por mexer tanto comigo? Entusiasmo por, enfim, a mudança que tanto queria finalmente chegar?

- Perguntei que apresentação é essa que você vai fazer... – ele revirou os olhos, impaciente por ter que repetir. Mas que garoto petulante!

- Será uma apresentação de Romeu e Julieta

- Então você é bailarina e atriz? – sua cara de dúvida me fez rir.

- Não, não... Será uma apresentação de dança, só que contando a história do clássico. Isso é o que chamamos de ballet de repertório – expliquei de modo resumido.

- E qual é o seu papel na peça, ou ballet, sei lá...? – Edu gesticulou com a mão demonstrando que estava confuso.

- É um ballet, só que de repertório... – repeti para que entendesse - E eu faço a Julieta.

- Uaaauuu! Então você é a donzela que arrisca tudo por amor? – claro que ele tirou sarro.

- Não, esse é apenas o papel que represento no palco – foi a minha vez de revirar os olhos.

- E qual é o papel que você representa na vida real? – pela expressão centrada, deu para perceber que ele não estava brincando.

- Eu não represento um papel... – retruquei na hora.

- E por que todo mundo te chama de bonequinha de porcelana? – senti uma pausa na massagem. Droga! Ele estava mesmo querendo saber.

- Haamm... Acho que é porque eu sempre dancei ballet a minha vida inteira, ou porque tenho uma mãe muito rigorosa que pega muito no meu pé... Também tem a minha aparência que ajuda bastante, né? – mexi nos cabelos meio nervosa, trocando a compressa de gelo de mãos – Ser branca que nem um fantasma ou como porcelana, como costumam dizer.... E sei lá... Acho que tudo contribui para isso, afinal. Minha vida sempre seguiu um rumo tranquilo, sem muitas curvas... Acho que por isso que sou assim... – acabei desabafando, indo muito além do que queria expor.

- A Julieta perfeita – ele deu um meio sorriso, e fiquei sem saber se aquilo era algo bom ou ruim – E por que sua mãe vai te matar se você se machucar? – meu pé voltou a ser massageado enquanto emendava outra questão.

- Isso é um interrogatório? – cruzei os braços fazendo birra. O gelo começava a derreter, mas não me importei com aquilo.

- Não, só quero saber mais sobre a Julieta. Vai que a vaga de Romeu está disponível... – Edu deu ombros, como se estivesse falando algo totalmente corriqueiro.

Foquei em seus olhos verdes, procurando por algum resquício de ironia, ou brincadeira. Não achei. Me remexi na cadeira, inquieta. O que aquilo significava?

- Minha mãe é coreógrafa da peça. Ela é professora de dança clássica e foi bailarina por muitos anos. Só interrompeu a carreira porque ficou grávida de mim – expliquei, olhando para baixo, sem coragem de encará-lo.

- Então você faz ballet por causa da sua mãe? – as perguntas continuavam.

- Sim e não... Mas isso é uma longa história – desconversei. Aquela era uma questão que me incomodava já há algum tempo. Por isso, era melhor fugir dela, pelo menos até que eu pudesse encontrar a resposta... – Mas e você? Estou curiosa para saber como veio parar na nossa cidade.

- Bom, como você já sabe, sou primo do Alê e morava no Rio. Como meus pais são bancários, nós já mudamos de cidade muitas vezes, geralmente por causa do trabalho dos dois. Mas dessa vez o motivo é meu irmão. Ele passou para medicina na USP e, como minha mãe não quer ficar longe dele, deu um jeito de pedir transferência para cá já que a cidade fica mais perto de São Paulo. Eu e ela viemos primeiro para resolver as questões do meu colégio, da casa e do trampo dela. Meu pai chega depois. Meu irmão vai direto para São Paulo cuidar do apartamento, ou melhor, “apertamento” que ele alugou perto do campus. A ideia é ele vir nos visitar aos finais de semana – ele explicou apertando meu pé de maneira tão suave que eu mal sentia seus dedos.

- E você vai morar no nosso condomínio?

- Não. Estamos hospedados na casa do Alê por enquanto, mas é só até a nossa ficar pronta. Pelo o que entendi, vou morar nesse bairro aqui. É Itapema o nome, né? – concordei com a cabeça – Você também mora no condomínio onde fica a casa da minha tia?

- Sim, na mesma rua, inclusive – disse.

- Seremos vizinhos temporários, então? – ele abriu um sorriso provocante.

- É o que parece... – foi tudo o que consegui dizer depois de recuperar o fôlego.

- Essas marcas no seu pé são por causa do ballet? – o surfista passou a encarar as bolhas e calos que existiam ali, principalmente na região dos meus dedos.

Sentindo o rosto arder de tanta vergonha, apenas gesticulei com a cabeça dizendo que sim. Eu nunca gostava de mostrar os meus pés por conta das marcas que horas e horas de ensaio e esforço me causavam. A verdade é que todo mundo julga uma bailarina como um ser lindo, leve, ágil e até mesmo frágil, mas para alcançar tal patamar nossos pés sofriam muito dentro das sapatilhas e todo nosso corpo era constantemente exigido durante as aulas.

- Caramba! Quantas horas você ensaia por dia? – ele olhava cada marca como se fosse algo precioso, e não cicatrizes feias e disformes. Aquilo me tocou porque eu mesma, em alguns momentos, não conseguia encará-las daquela maneira.

- Depende... Para essa peça ensaiamos duas horas por dia em ritmo bem puxado. Também tivemos aulas de interpretação para ajudar na construção das cenas – expliquei – Mas dependendo do dia, eu chego em casa e ainda continuo praticando. Minha mãe sempre diz que é a prática que leva a perfeição.

- Nossa, tenho certeza que você ama muito o que faz. Senão não suportaria toda essa pressão, nem que fosse só para agradar sua mãe – ele concluiu, agora mais preocupado em analisar o meu pé do que massageá-lo.

- Ai Gabi, finalmente achei você! Veeeem! O Alê está te chamando para jogar... – a Mari entrou distraída na sala segurando um copo nas mãos. Pelo seu nível de “felicidade”, eu poderia apostar que ela estava bebendo vodka ou participando da rodada de porradinha. Porém, ao ver a cena, sua voz falhou e seus olhos ficaram arregalados como se não pudesse acreditar no que estava acontecendo – ...a próxima rodada – minha amiga precisou fazer um tremendo esforço para se recuperar e terminar a frase.

- Hãã... O Edu estava só me ajudando, porque meu pé ainda estava doendo. Você lembra, né? A gente esbarrou um no outro quando ele chegou e eu acabei torcendo o tornozelo – corri me explicar, ao mesmo tempo que puxava o meu pé, o enfiava dentro do sapato e ficava em pé, tudo em menos de cinco segundos. Eu nem lembrava se havia mesmo falado sobre o encontrão, mas agora isso não importava. Eu só queria justificar aquela situação de tamanha intimidade com alguém que eu acabara de conhecer.

- Pois é... Eu não quero ser o responsável por prejudicar a Julieta. Os Capuletos podem passar a me odiar como fazem com os Montecchios... – ele fez graça, mas pelo jeito que mexia no cabelo dava para perceber que não estava à vontade com o flagra.

- Ahh, a Gabi vive fazendo drama por causa dessa peça... – Mari desdenhou querendo minimizar os meus problemas, como sempre costumava fazer. Às vezes isso era ótimo, mas naquele momento não gostei nem um pouco. Ela sabia muito bem a importância que aquela apresentação tinha para mim.

- Drama? Ensaiar duas horas por dia, ter o pé cheio de marcas e encarar um palco cheio de gente te assistindo... Pra mim isso não é fazer drama – fiquei exultante com a resposta do Edu. Caramba! Finalmente alguém que entedia que não dava para ter uma vida de adolescente normal por causa da seriedade e responsabilidade que o ballé exigia.

- Não, eu sei... Mas só uma trombada não vai zuar o pé dela. Já passamos por situações muito piores e ela conseguiu ensaiar no dia seguinte – Mari se redimiu dando um sorriso amarelo – E agora vamos! Estamos só esperando vocês para começar a rodada. Gabs vai jogar com o Alê, como sempre, e você – ela pegou a mão do Edu, puxando-o para fora da cozinha – vai jogar comigo.

Ele lançou um olhar rápido na minha direção que eu entendi como “puts, que chato” e seguiu a minha amiga que falava sobre seus talentos no truco de forma um pouco entusiasmada demais, na minha opinião.

Não tive opção se não segui-los. Coloquei a bolsa de gelo improvisada na pia e depois caminhei até o Gueto.

O restante da festa passou como um borrão para mim. Lembro de ter vencido todas as rodadas com meu parceiro, de ter bebido cerveja até ficar bem alegre e de dançar. Mas por onde quer que eu fosse, sentia o olhar dele me seguindo. E era uma sensação estranha, porque, ao mesmo tempo que me intrigava, também fazia meu coração bater como um louco.

Como era possível que tão belos olhos pudessem causar atração e medo ao mesmo tempo?
______________________________________________

Notas finais: Nesse capítulo deu para conhecer um pouco melhor o Edu e a Gabi, né? E aí, o que acharam? Será que o carioca está afim dela? E Gabi, será que vai cair na dele?

Só aviso que o próximo capítulo será interessante!


*** Bora para o próximo capítulo? É só clicar aqui

2 comentários:

  1. Gente, mas esse Edu é muito cheio de marra! kkkkkk Partiu pra cima mesmo!
    E gente essa Mari é tipo, muito Mari! (se é que me entende kkkk)

    beijos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Acho que podemos dizer que a Mari não é só inspirada na "Mari". Ela é, praticamente, uma cópia fiel da pessoa! hahahah

      Ok, para ser justa, mais para frente ela vai fazer umas "maldades" que não serão assim, tão fiéis a nossa amiga.

      Já sobre o Edu, sacou que ele não é assim, tããããooo parecido com o original, né? Na vida real, acho que ele ainda estaria na festa, encostado em um canto, esperando alguém puxar assunto com ele. hahahaha

      Excluir

Oiieeee.... xD

Espero que esteja curtindo a fic!
Se estiver, não deixe de "perder uns minutinhos" para me contar a sua opinião, registrar o seu surto ou apenas para dar um oi! E se não estiver curtindo, aproveite o espaço para "soltar o verbo" e falar o que te desagradou!

Uma história não existe sem leitores! São vocês que me dão forças para continuar escrevendo e caprichando cada vez mais em cada capítulo! Portanto, deixe de "corpo mole" e venha "prosear" sobre as fics comigo e com as outras meninas que passam por aqui! *-*

Cada comentário ilumina muito o meu dia! Não deixe de fazer uma quase-escritora feliz: Comente! *-*

E não esqueça de deixar o seu nome, ok?!