quarta-feira, 6 de maio de 2015

Capítulo 7 – Sinal de risco

Notas iniciais: Capítulo está morno, mas mantenham a calma! O oito promete fortes emoções!
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- Gabriela, acorda filha! Está na hora!

Abri os olhos lentamente, tentando me localizar. Instantaneamente meu corpo começou a reclamar pela noite mal dormida. Resmunguei baixo. Músculos doloridos e ensaio eram dois termos que não combinavam na mesma frase.

- Vamos, menina! Hoje é um dia especial, lembra? – minha mãe chamou de novo – Estou preparando um café caprichado para você! Não demora!

As palavras dela me fizeram despertar. Naquele sábado aconteceria o ensaio geral da peça, com direito a teste com luzes, figurino, cabelo... A orquestra já vinha participando dos ensaios normais, mas aquele sábado também seria especial para eles. Até onde eu sabia, o maestro aproveitaria a ocasião para acertar os últimos detalhes com os músicos antes da apresentação.

Porém, eu passei a última semana tão concentrada nos ensaios, dieta e tentando não pensar no Edu que acabei me esquecendo completamente desse “pequeno” detalhe… A única coisa que me confortava era o fato que o ensaio seria leve, mais focado nos aspectos estéticos e funcionais do que nos passos de dança em si. Comparado com a última semana de treinos, seria brincadeira de criança. E o melhor: eu teria o resto da tarde e o domingo inteiro para descansar.

Animada com a ideia de finalmente repousar, levantei e fui até o banheiro. Foi aí que dei de cara com as roupas que usei na noite anterior jogadas de qualquer jeito sobre a pia. Lembranças do meu momento com o Edu me assaltaram a mente e sorri sozinha. No meio da confusão de ensaios, a noite passada parecia um sonho.

Tirei o pijama e entrei no banho, deixando meu pensamentos fluírem como a água que caía. Ficamos juntos até quase duas da manhã, quando praticamente dormi apoiada no seu ombro de tão cansada. Depois da dança ficamos conversando, eu contando sobre a minha rotina puxada de bailarina, ele sobre como era difícil mudar de cidade pela terceira vez em três anos e da saudade que já sentia do mar. Ele me abraçou e eu acariciei seus cabelos enquanto falamos de nossas vidas de maneira natural. Poder ser eu mesma foi uma sensação libertadora. Foi ótimo não precisar me preocupar com o que os outros iriam pensar ou se seria julgada por ensaiar demais, por comer de menos, por não me dedicar suficiente aos ensaios e tantas outras coisas...

Precisei me apressar depois que desliguei o chuveiro. Passei tanto tempo “sonhando” acordada que estava atrasada. Vesti a primeira roupa que vi pela frente, peguei meu celular e desci para tomar o café. No caminho, chequei meu WatsApp. Sorri sozinha ao ver uma mensagem de um número que ainda não constava na minha agenda. Mesmo sem a foto e sem assinatura, eu sabia quem havia escrito aquela frase.

“Espero que você tenha conseguido dormir e não ter atrapalhado os seus ensaios. Acho que mais uma vez acabei sendo precipitado, mesmo que o objetivo não fosse esse. Mas, sem dúvida ontem foi a minha noite de sorte”.

Fiquei encarando a tela do celular, sem saber o que responder. Meu coração dava piruetas dentro do peito. Todo o cansaço por conta da noite mal dormida e as dúvidas que me atormentaram durante a festa pareceram desaparecer. Só o que restava era aquela vontade boba de sorrir e dançar, ao mesmo tempo que cantarolava a música da noite anterior.

- Nossa, quanta alegria! – minha mãe exclamou quando me sentei à mesa. Como prometera, meu café já estava pronto e caprichado: iogurte desnatado com cereal e frutas picadas, suco natural de laranja e biscoitos integrais. Tudo muito saudável, claro! – Esse sorriso enorme tem a ver com o rapaz que ficou conversando com você até tarde aqui na frente?

Quase engasguei com o suco. Pensei que minha mãe não tinha percebido a movimentação já que não me pediu para entrar. Eu estava certa que, assim que soubesse que eu não estava na cama mesmo tendo ensaio no dia seguinte, ela desceria como uma louca e mandaria o Edu embora na base das vassouradas. Será que o coração de dona Beatriz estava amolecendo?

- Não precisa ficar vermelha desse jeito! – ela riu e eu, claro, fiquei com ainda mais vergonha. Qual parte da nossa conversa ela havia flagrado? Tudo o que eu não precisava naquele momento era da minha mãe palpitando sobre os passos de dança do carioca – É bom estar apaixonada, filha! – completou antes de se servir de iogurte e cereal – Mas só tome cuidado! Você tem a apresentação semana que vem, a sua carreira como bailarina, e... – sua voz vacilou – quando somos jovens, tudo parece intenso e eterno. E às vezes não é bem assim...

Continuei tomando meu suco sem ter coragem de encará-la. O sorriso no meu rosto foi substituído por uma expressão de receio. Eu sabia que o sonho da minha mãe era ser bailarina profissional. E ela quase conseguiu. Aos 18 anos, era a melhor aluna da Escola de Dança do Teatro Guaíra em Curitiba e se apresentava junto com a companhia de dança da escola. Pelas fotos que vi, dona Beatriz era uma excelente bailarina. Ela parecia flutuar no palco, leve como uma pluma ao mesmo tempo que executava os movimentos com firmeza e precisão. Era a combinação perfeita de força com delicadeza.

Depois de terminar o colégio, ela estava decidida a seguir carreira na dança. Mas nesse meio tempo, veio até São José dos Campos, cidade próxima de onde moramos, para visitar parentes durante as férias. Foi nessa viagem que ela conheceu meu pai. Na época, ele era só um estudante de Economia com muitos sonhos e vontades. Como era muito bonito, minha mãe ficou “caidinha” por ele logo de cara. Os dois viveram um amor de verão que chegou ao fim quando ela voltou para Curitiba. Tudo ia muito bem até que, dois meses depois, ela desmaiou em um ensaio. Foi assim que descobriu que estava grávida de mim. Minha avó não gostou da ideia e a expulsou de casa. Sem ter para onde ir, minha mãe voltou para Guararema e reencontrou meu pai. Os dois passaram a morar junto, os parentes que moravam nas proximidades apoiando minha mãe nos assuntos relacionados à gravidez. Poucos meses depois do meu nascimento, meu pai recebeu um convite para trabalhar no mercado de ações em Nova York. Como era o seu maior sonho, ele foi, deixando minha mãe sozinha com uma criança pequena para cuidar.

Os parentes continuaram ajudando e foi assim que ela conseguiu me criar e abrir a sua própria escola de dança. Claro que ela nunca perdoou meu pai e, por isso, nossa relação era bem estranha. Minha mãe quase não falava do assunto e me proibiu de manter um contato mais íntimo com ele. Eu só sabia de tudo aquilo porque uma das minhas tias que morava em São José me contou. Dona Beatriz evitava ao máximo falar do meu pai. E quando o fazia, era sempre com um pouco de raiva e mágoa.

Terminei meu café em silêncio, dezenas de perguntas surgindo na minha mente. Minha mãe seria uma pessoa diferente se meu pai não tivesse a abandonado? Será que eu dançaria balé se ela mesma não precisasse interromper a carreira para cuidar de mim? O quanto um coração machucado pode interferir na vida das pessoas, afinal?

- Gabriela, vamos nos atrasar! Vai escovar os dentes que te espero no carro – dona Beatriz deve ter percebido os meus devaneios, porque tratou de estalar os dedos na minha frente chamando a minha atenção. Subi correndo as escadas para escovar os dentes e terminar de me arrumar. Menos de dez minutos depois já estávamos a caminho do teatro.

Checando novamente meu celular, lembrei que ainda não havia enviado uma resposta para o Edu. Pensei em mil coisas para escrever e, de fato, cheguei a digitar um monte de frases. Minha sorte é que, pelo horário, ele ainda deveria estar dormindo. Caso contrário, acharia que eu estava louca se olhasse o Whats e visse um “digitando eterno” na minha janela sem aparecer nenhuma mensagem depois.

Minha mãe já estava estacionando o carro e eu ainda não havia decidido o que responder. Não queria parecer “apaixonadinha” ou precipitada demais, por causa do que a Mari falara durante a festa. Mas também não queria parecer fria ou distante, como se não estivesse nem aí para ele...

“Senhor, quando vão inventar um app para ajudar em casos como esse? Tanta tecnologia e nenhum cientista foi capaz de criar algo para nos ajudar a encontrar as respostas certas para o boy que se está a fim?”, xinguei mentalmente, mesmo que soubesse que o meu desejo era algo completamente sem sentido. Mas qualquer ajuda naquele momento seria muito bem-vinda.

Por fim, acabei digitando um “Por que diz isso?” e largando o celular do lado. O ensaio iria começar e eu tinha um longo dia pela frente...

***

Era impossível olhar ao redor e não se impressionar. Estávamos ensaiando a parte da baile, quando Romeu e Julieta se conhecem. No palco, mais de duas dúzias de bailarinos executavam a coreografia ao som da orquestra. Todos os movimentos eram sincronizados de acordo com a música e os passos eram executados na mais perfeita sintonia, como se todos estivessem programados para se mexerem ao mesmo tempo. Os figurinos, inspirados na Roma antiga, era composto por saias longas e muitos babados e bordados. Ora tinham cores fortes e marcantes, ora tons delicados, de acordo com o ar romântico da peça.

Era inevitável sentir orgulho da minha mãe. Há um ano, nada daquilo existia. Ela começou tudo do zero, empolgada com a ideia de montar um espetáculo grandioso para comemorar os sete anos de Festival e a estreia do Teatro Municipal. Com o apoio da Prefeitura e de empresas privadas da região, surgiu verba suficiente para contratar profissionais qualificados que poderiam ajudá-la a criar algo a altura da ocasião. Foi aí que surgiu a ideia de recriar um balé de repertório. Sem dúvidas, um grande desafio por conta da complexidade. Espetáculos desse tipo existiam há muitos e muitos anos e faziam parte da história da dança clássica mundial. Isso exigia que a coreografia original fosse mantida,  sofrendo o mínimo de alteração possível. Além disso, pediam uma produção de primeira.

Para minha mãe, essa era chance de trazer prestígio e credibilidade à sua companhia de dança, composta em sua maioria por alunos da sua própria escola. Para o balé, porém, muitas audições foram realizadas em busca de bailarinos para compor o restante do elenco. No total, mais de uma centena de pessoas estavam envolvidas na “peça”. Claro que essa denominação não era correta, mas foi assim que ficou conhecida por toda a cidade. Todos esperavam o nosso balé com muita expectativa. Seria um marco para a cidade e, se desse certo, levaria o Festival a outro patamar.

Muita coisa estava em jogo, mas minha mãe e sua equipe pareciam ter tudo sobre o mais completo controle. Pelo menos, até aquele momento, o ensaio geral não havia apresentado nenhum problema grave. Dona Beatriz comandava a tudo com mãos de ferro e olhos de águia, não deixando passar nenhum detalhe.

***

Após quase cinco horas e meia de ensaio, enfim a equipe foi liberada. Era quase hora do almoço e meu estômago protestava em alto e bom som pedindo por comida. Embora não tivesse dormido e o ensaio tivesse se estendido por mais tempo do que esperado, eu não me sentia cansada. Ver os figurinos, as maquiagem e as luzes em ação injetaram um novo ânimo em mim. Se antes estava receosa e até com um pouco de medo, agora eu me sentia ansiosa. Queria encenar logo o balé, mostrar para todos a competência da nossa equipe, provar o resultado de todo o nosso esforço.

Nos bastidores todos pareciam dividir a mesma sensação. Os sorrisos mostravam que o pessoal se sentia pronto e confiante. Um clima de otimismo pairava no ar quando deixei o teatro ao lado da minha mãe. Dona Beatriz andava como o peito inflado e os olhos brilhando de orgulho. Mesmo satisfeita, ela não dava o braço a torcer. Disse a todos que no geral o ensaio fora bom, mas que durante a semana trabalharia erros pontuais na coreografia.

Assim que entrei no carro, peguei meu celular. Era claro que estava ansiosa por uma resposta do Edu e ele não me decepcionou.

“Porque eu te encontrei”.

Senti meu coração dar um mortal dentro do peito. Uaaauu! O garoto estava inspirado!

“Hum... Que ótimo! Porque eu também me senti uma garota muito sortuda ontem. Só espero que o destino coloque toda essa sorte no meu caminho mais uma vez”.

Deixei todos os meus receios de lado e resolvi falar logo o que sentia. Afinal, se ele estava se mostrando tão “interessado” acho que não haveria problemas em demonstrar as minhas intenções, não é mesmo? Aproveitei o momento de coragem e, na sequência, perguntei o que ele quis dizer com “ser precipitado mais uma vez”.

Passei os cinco minutos seguintes olhando para a tela do celular. Pelo canto do olho eu via minha mãe me espionando, na certa querendo saber o motivo de tanta ansiedade.

Quando estávamos quase chegando em casa, uma única frase apareceu: “Com certeza vai colocar”.

Fiquei esperando algo sobre a segunda questão, mas ele não enviou mais nada. Entrei em casa, sentindo a irritação que o Edu sempre conseguia despertar em mim dar o ar da graça. Jogando o corpo sobre a cama de qualquer jeito, digitei a primeira coisa que me veio a mente. Se ele não queria conversar como uma pessoa civilizada eu também não iria facilitar.

“E como você sabe?”

 Mal pisquei, e o som indicando nova mensagem apitou.

“Porque se não colocar, eu mesmo cuidarei para que isso aconteça”.

Ok, se o objetivo era me impressionar, ele estava conseguindo. Rolei na cama, deitando de bruços e apoiando o cotovelo no colchão. E agora? Deveria manter a mesma linha de “ataque”?

  “Então você é do tipo de garoto que faz acontecer?”

Resolvi mudar o rumo da conversa para ganhar tempo. Eu precisava respirar e assimilar melhor a situação.

Não. Sou do tipo perigoso”.

A mensagem chegou logo na sequência, fazendo meu queixo cair. O que ele queria dizer com aquilo? Seguindo a mesma estratégia, dei uma resposta evasiva. Eu precisava dar um jeito de tirá-lo dessa posição de mistério, fazer com que revelasse mais sobre o que estava pensando.

“Perigoso do tipo que machuca mocinhas indefesas?”

Torci para que dissesse que era tudo uma brincadeira, que na verdade apenas tinha curtido ficar comigo. Talvez até que tínhamos alguma chance de dar certo... Sorri com a perspetiva. Seria cedo demais para pensar nisso?

O celular apitou na minha mão e voltei a me concentrar na tela, ansiosa pela resposta.

“Não. Perigoso do tipo que consegue tudo o que quer”.

Um arrepio percorreu o meu corpo. Novamente senti medo do que o Edu seria capaz de fazer comigo. Era como se tanto mistério e histórias mal contadas acendessem um sinal de alerta na minha mente. Mas já era tarde demais para resistir. Eu já havia provado do doce “veneno” e cada parte de mim pedia por mais.

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Notas finais: Edu e seus mistérios.... 

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